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  • Foto do escritor: Mariana Bacigalupo Martins
    Mariana Bacigalupo Martins
  • 3 de nov. de 2024
  • 6 min de leitura

Atualizado: 17 de jan.


Cidade grande: violência e estresse
Cidade grande: violência e estresse

A violência e o caos que experimentamos nos centros urbanos diariamente quando vamos buscar um filho na escola, dirigir, fazer compras no mercado e a falta de atenção das pessoas uma para com as outras, sempre preocupadas em chegar primeiro, cumprir as metas, ganhar e consumir mais não é apenas resultado de um estado precário, da falta de medidas punitivas, do crescimento desenfreado ou ainda, da má educação das pessoas. É resultado de uma sociedade não mais guiada por ideais coletivos, mas individualistas e comandada por seus objetos de consumo.


O resultado é um afrouxamento do laço-social, uma frieza perante as necessidades do outro e até mesmo, atos de violência gratuita visando uma satisfação pessoal.

Nesse texto vamos procurar abordar as causas da violência e uma possível solução, a gentileza, que mais que um comportamento seria um valor ético e altruísta perante outro ser humano.

 

A violência enquanto sintoma de uma desregulação social e das instituições

Segundo o estudo de Chesnais [1] no Brasil, a violência e o caos urbano estão  no centro do dia a dia das cidades ocupando as manchetes dos jornais e sendo o assunto de especiais para a tv e, mais que tudo, assombrando as consciências de tal forma ameaçadora, que acaba por  gerar um profundo sentimento de insegurança. Para ele, a violência é sintoma de uma desintegração social, de um mal-estar coletivo e de um desregramento das instituições públicas em administrar a repressão e propiciar a prevenção. Na pesquisa em que entrevistou diferentes indivíduos ligados, direta ou indiretamente à questão, a insegurança e a violência levariam a consequências contrárias ao crescimento econômico e social ocasionado a volatilidade financeira, por exemplo.  O autor considera que uma solução para as violências que acontecem no Brasil, seja aquela praticada pelos indivíduos comuns como as praticadas pelo Estado, seriam a redistribuição de renda, o reestabelecimento da credibilidade do estado, grande investimento na saúde e educação e reestruturação de instituições como a polícia e a escola e acrescenta que “seria preciso acabar com a sua reputação de eterno adolescente, incapaz de disciplinar suas pulsões” (p.68) e propõe ações coletivas nessa direção.

 

A regulação do estado não é suficiente para acabar com as violências

No seu artigo, Costa [2] cita o autor Norbert Elias (1993) que aponta o papel central exercido pelo Estado moderno, pelo menos desde o século XVIII, entre os países ocidentais mais industrializados, à pacificação dos costumes e à criação duradoura de espaços não violentos tornando possível a convivência social. Mas ela lembra que os críticos das concepções de Elias sustentam que os estados do Primeiro Mundo e suas populações puderam ser concebidos como civilizados e superiores porque existiam “povos a quem estigmatizaram como incivilizados” (Dunning e Mennell, 1997). Além disso, os campos de concentração na modernidade e o nazi-fascismo surgiram exatamente em uma Europa supostamente civilizada. Concorda com Lagrange (1995) que de fato, houve uma pacificação dos costumes e dos hábitos dos cidadãos nos países desenvolvidos, mas argumenta que isto não significou, necessariamente, a redução global da violência, pois houve um aumento dos crimes na esfera privada bem como violências brutais que ocorrem no dia-a-dia das cidades praticadas por pessoas comuns.

 

A violência nas cidades desconsidera os laços

emocionais com outro

Mulher solitária
Mulher solitária

Para Costa [2], a violência nas cidades sempre ocorreu assumindo formas específicas conforme o momento histórico, tenha sido praticada diretamente pelo Estado ou por seus agentes, pelos grupos dominantes ou até por bandidos comuns, sempre deixou cicatrizes profundas. Mas, o grande espanto é com a aparente frieza e ausência de limites das pessoas que praticam tais atos no cotidiano das cidades demonstrando a incapacidade de sentirem empatia por outro ser humano. Em ações rotineiras como ir ao banco, dirigir o carro, fazer uma compra no mercado, observamos muitas vezes atitudes desumanas e até mesmo de ódio extremo e uma negação da alteridade.

 

 

A violência tem explicação?

Segundo Costa [3] a violência no Brasil tornou-se “uma forma corriqueira de levar ao extremo o jargão leviano que tudo é mercadoria”. Para este autor estamos imersos em uma cultura “narcísica” da violência que se nutre da decadência e do descrédito social, e que rapidamente se degenera em cultura da delinquência.  Ele diz que “O desaparecimento da figura do Ideal coletivo dá lugar ao surgimento da figura do fora-da-lei, como imagem Ego-Ideal”. “O delinquente é a forma que o homem supérfluo encontra para sobreviver socialmente na cultura da violência” [4]. Esse “homem supérfluo” é produto de uma sociedade profundamente individualista e competitiva onde a onipotência não aceita limites e onde há um profundo desprezo pela vida de outra pessoa.

 

Ato de violência: uma forma de potencia e satisfação

Costa[2] comenta Baudrillard outro analista que estuda uma série de fenômenos percebidos como violentos no mundo moderno e que espantam pela maneira como se manifestam. Isso pode ser exemplificado, em sua opinião, pela conduta de jovens, na qual a violência assume uma forma “lúdica e espetacular” (Baudrillard, 1990). Em muitos casos, a prática da violência pelos jovens potencializa a excitação, os níveis de adrenalina que corre pelo corpo tendo o efeito de uma droga, mas, principalmente, abre caminho para que eles também possam participar do espetáculo montado pela mídia e se fazerem notados pela sociedade. Neste contexto, a violência, segundo este autor, seria fruto não do arcaísmo, mas de uma hipermodernidade na qual todos almejam a fama, mesma que ela dure alguns segundos. É graças à violência que algumas pessoas se sentem potentes no mundo.

 

A gentileza pode ser uma solução, desde que altruísta

Uma nova teoria, chamada “sobrevivência do mais gentil”, diz que foi graças à gentileza que a espécie humana prosperou. O professor Sam Bowles, do Instituto Santa Fé, nos Estados Unidos, analisou sociedades antigas e verificou que a gentileza era componente fundamental da sobrevivência das comunidades. “Grupos com muitos altruístas tendem a sobreviver”, diz ele. “Os altruístas cooperam e contribuem para o bem-estar dos outros integrantes da comunidade.” Entretanto, o professor de filosofia da Universidade Presbiteriana Mackenzie Jorge Luiz Rodriguez Gutierrez[5] prefere pensar na gentileza não como um comportamento, mas como uma virtude. "Não só a gentileza parece menos cultivada, mas em geral hoje não se fala muito das virtudes. Parecem esquecidas", diz. Ele ressalta que ela só tem valor positivo quando associada a conceitos como generosidade ou misericórdia. "Em filmes, geralmente os nazistas que dirigem campos de concentração são gentis. Por si só, a gentileza é neutra". Portanto, a gentileza só poderia ser considerada um  “remédio contra a violência” mediante valores éticos e de empatia por outro ser humano.


Um remédio frente à violência e eficaz para saúde

A gentileza nos faz bem de outras maneiras. O professor Stephen Post, autor de Why Good Things Happen to Good People (Por que coisas boas acontecem a pessoas boas), examinou os indícios de que ser gentil faz bem à saúde. Um estudo com 2.016 pessoas verificou que os que ajudavam os outros regularmente tinham mais saúde mental e menos depressão. Outros estudos constataram que as pessoas solidárias têm menos probabilidade de sofrer de doenças crônicas e que seu sistema imunológico tende a ser melhor. “Existe uma relação direta entre bem-estar, felicidade e saúde nas pessoas gentis”, diz Post[5]. A gentileza talvez ajude a regular as emoções, o que causa impacto positivo sobre a saúde. Se nosso instinto biológico automático do tipo “lutar ou correr” ficar ativo demais por causa do estresse, o sistema cardiovascular é afetado e a imunidade do corpo enfraquece. “É difícil ficar zangado, ressentido ou amedrontado quando se demonstra amor altruísta pelos outros”, afirma Post.

 

  

Fontes:

[1]CHESNAIS, Jean Claude. A violência no Brasil: causas e recomendações políticas para a sua prevenção In: Ciência e Saúde Coletiva, p. 53-69, 1999 http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1413-81231999000100005&lng=pt&userID=-2 consultado em 22/09/2012

[2]COSTA, Marcia Regina daA violência urbana é particularidade da sociedade brasileira? In: São Paulo em Perspectiva, 13(4) 1999. http://www.scielo.br/pdf/spp/v13n4/v13n4a01.pdf consultado em 22/09/2012

[3]COSTA, J.F. “Narcisismo em tempos sombrios”. In: FERNANDES, H.R.(org.). Tempo do desejo: sociologia e psicanálise. São Paulo, Brasiliense, 1989, p.109-136.

[4] idem,p.133

 

MILLER, J.A. e LAURENT, E. O Outro que não existe e seus comitês de ética, In: Curinga no. 12, set 98 - A clínica psicanalítica no mundo globalizado, p. 4-18.

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