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  • Foto do escritor: Mariana Bacigalupo Martins
    Mariana Bacigalupo Martins
  • 8 de nov. de 2024
  • 4 min de leitura

Atualizado: 11 de mar.


Igreja
Igreja

Neste texto fruto da resenha do livro O triunfo da religião, Miller (psicanalista e herdeiro das obras lacanianas) esclarece no prefácio que a descoberta do inconsciente afetou o campo da cultura, mas alerta que há o perigo em normatizar e moralizar o Inconsciente fazendo uma divulgação vulgar desta instancia psíquica.


O autor procura distinguir a experiência da Psicanálise da experiência religiosa propondo em suma que há na religião um bem maior a ser alcançado o que não é uma premissa na prática analítica. Se nos dias atuais a religião pode apaziguar o sofrimento através de uma moral e de uma prática, a experiência analítica propõe uma solução do sofrimento a partir de valores constituídos por meio da história de cada um.


A partir da leitura do livro se pode concluir que associar a Psicanálise à religião como querem alguns grupos religiosos, se trata de uma impostura, pois vai na contramão da prática analítica que não visa de forma alguma identificar o sujeito à valores morais ou práticas com a finalidade de atingir um bem maior tal qual é proposto na experiência religiosa.


Por se tratar de um método de investigação que o sujeito faz sobre si onde a visada é a verdade inconsciente, a religião, seja ela qual for, pode ser abraçada e acolhida pelo método psicanalítico, mas o método psicanalítico não pode ser absorvido ou equiparado à religião como pretendem alguns.


O triunfo do qual fala Lacan é que frente ao real e a impossibilidade de apreendê-lo e ainda, frente ao mal-estar que a verdade inconsciente pode revelar, a religião vai avançar cada vez mais como alternativa para tratar o sofrimento e como podemos ver, atingindo com bastante eficiência seu objetivo, mas colocando o homem mais distante da verdade muitas vezes incomoda, que é a verdade do inconsciente.


Abaixo, seguem desenvolvimentos teóricos apresentados no livro:


No livro, Lacan aproxima a psicanálise da religião na medida em que ambas possuem leis: a lei da linguagem no caso da psicanálise e a lei do pecado, no caso da religião. Desenvolve que o pecado só existe porque alguém o criou, do contrário, ele não existiria. Sendo assim, é através da criação da lei do pecado que ele ganha vida. O autor compara: através da criação da lei do pecado, este ganha vida e, através da instituição da lei da linguagem, o desejo inconsciente ganha vida.


Mas a distinção entre a psicanálise e a religião se dá porque a psicanálise possui uma ética e não uma moral como no caso da religião.


Crítica à noção de EU em sua função de síntese e integração da realidade dando mais importância àquilo que o Eu não pode apreender e lembrando que sempre haverá uma falha no processo de integração e apreensão da realidade.

Coloca que a síntese gerada pelo EU não é garantia de felicidade, pois deixa de fora o que chama de real e esclarece que a impotência que a psicologia quer corrigir é a do homem não reconhecer o desejo inconsciente e o real. Acrescenta que quanto mais a psicologia tenta apreender esse desejo e o real, mais longe mantém o homem de suas possibilidades inventivas.


Verdade do desejo

Segundo o autor, o que se passa nas trevas dos homens foi iluminado por Freud referindo-se a descoberta da verdade do desejo - o inconsciente. O desejo, diz ele, não é coisa simples. Não é uma compreensão como quer a psicologia, nem um retorno a um naturalismo microcósmico, tampouco a reprodução de experiências concretas primarias com a mãe como articula a psicanálise dita genética. Para falar do que é o desejo inconsciente temos que falar de significantes, pois somente eles podem dar uma ideia do que seja o inconsciente freudiano, ou seja, eles apontam para o que está fora da apreensão pelo discurso.

É na medida em que um discurso é mais privado de intenção que ele pode se confundir com uma verdade.


O pecado existe porque há uma lei que o exclui

Do mesmo jeito que para estar mais próximo da verdade do inconsciente é necessário privar o discurso de intenção, pois a fala livre revela o que o discurso esconde: o desejo. Também só é possível saber que algo é pecado uma vez que há uma lei que priva o sujeito do pecado. Sem a lei o pecado não existiria. Só é possível conhecer o pecado pela Lei sendo que pela lei o pecado ganha vida.

Lacan passa a falar da obra Totem e Tabu de Freud. O pai totêmico é esse que funda a Lei ao mesmo tempo em que interdita o desejo. Essa interdição instaura no sujeito uma falta-a- ser que é condição de sua paixão e de seu sacrifício.


Amar o próximo como a si, é amar o lugar da falta-a-ser

Para Lacan a posição ética de Freud é que não há relação da Psicanálise com um bem e que o soberano bem não é o prazer. O soberano bem não existe para Freud. Ele fala de uma ética onde verdade e desejo, de mãos dadas, marcam a falta-a-ser.

Apesar de o EU parecer imóvel, é na realidade, em sua forma imaginária como cascas sobrepostas. Nas identificações, o homem julga reconhecer o princípio de sua identidade e ter o domínio de si, mas na verdade a imagem do eu é desmembrável e flexível. Por isso, a única maneira de amar ao próximo como a nós mesmos é amá-lo no lugar onde uma falta se apresenta, e não amar o eu e suas múltiplas identificações, pois somente o lugar da falta pode ser o mesmo. Lacan fala que é no lugar da falta e da divisão do homem que a Coisa freudiana se apresenta.




Referência Bibliográfica

LACAN, J. Discurso aos católicos. In: O triunfo da religião. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed. 2005

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